Certa vez fui num show de HC,o Zona Punk Vanz Tour...um festival de hard core itinerante,que roda o Brasil com as melhores bandas do segmento...ou que pelo menos tem algum tipo de contrato com o site Zona Punk,não sei ao certo.O engraçado é que o festival levava o nome de seu patrocínio (do tênis Vanz),e como bem sabemos,shows de HC,Punk e afins repudiam este tipo de coisa.
No show foi planfetado um outro festival(''show de hardcore sem nome de marca''),que trazia uma breve crítica aquele evento onde justamente estava sendo distribuido os flyers(de xerox bem simples,poh,''faça você mesmo'').Óbvio que os vocais das bandas do Vanz Tour vez ou outra faziam uma propagandinha bááásica...liberdade de expressão é tudo né...
''Em minha calça está grudado um nome/Que não é meu de batismo ou de cartório/Um nome estranho/Meu blusão traz lembrete de bebida/Que jamais pus na boca nessa vida/Em minha camiseta,a marca de cigarro/Que não fumo,até hoje não fumei/Minhas meias falam de produtos/Que nunca experimentei/Mas são comunicados aos meus pés/Meu tênis é proclama colorido/De alguma coisa não provada/Por este provador de longa idade/Meu tempo,meu relógio,meu chaveiro/Minha gravata e cinto e escova e pente/Meu corpo,minha xícara/Minha toalha de banho e sabonete.
Meu isso,Meu aquilo/Desde a cabeça ao bico dos sapatos/São mensagens/Letras falantes/Gritos visuais/Ordens de uso,abuso,reincidências/Costume,hábito,premência/Indispensabilidade/E fazem de mim homem-anuncio itinerante/Escravo da matéria anunciada/Estou na moda/É duro andar na moda,ainda que a moda/Seja negar minha identidade/Trocá-la por mil/Todas marcas registradas/Todos os logotipos do mercado/Com que inocência demito-me de ser/Eu que antes era e me sabia/Tão diverso de outros,tão mim mesmo/Ser pensante,sentinte e solitário/Com outros seres diversos e conscientes/De sua humana,invencivel perfeição de igualdade/Agora sou anúncio/Ora vulgar,ora bizarro/Em língua nacional ou em qualquer língua/Qualquer principalmente/E nisto me comparo,tiro glória/De minha anulação/Não sou-vê lá-anúncio contratado/Eu é que mimosamente pago/Para anunciar,para vender/Em bares,festas,praias,piscinas/E bem à vista exibo esta etiqueta/Global no corpo que desiste/De ser veste e sandália de uma essência/Tão viva,independente/Que moda ou suborno nenhum a compromete/Onde terei jogado fora/Meu gosto e capacidade de escolher/Minhas idiossincrasias tão pessoais/Tão minhas que no rosto se espelhavam/E cada gesto,cada olhar/Cada vinco de roupa/Sou gravado de forma universal/Saio da estamparia,e não de casa/Da vitrine me tiram,recolocam/Objeto pulsante,mas objeto/Que se oferece como signo dos outros/Objetos estáticos,tarifados/Por me ostentar assim,tão orgulhoso/De ser não eu,mas artigo industrial/Peço que meu nome retifiquem/Já não me convém o título de homem/Meu nome é Coisa/Eu sou a Coisa,coisamente.''
Carlos Drumond de Andrade - Eu Etiqueta(retirado detrás do flyer xerocado do show de HC)
ps:isso já vai fazer um ano,achei o papel amassado no meu bolso e achei que seria bom postar aqui,é uma ótima leitura...